"Há
algo errado numa jovem democracia que depõe, pela via legítima da Constituição,
dois chefes de Estado num lapso de 24 anos. Falharam os controles que deveriam
evitar o uso desse recurso brutal e traumático contra o mandato presidencial
concedido pelo voto direto", diz editorial da Folha, de Otávio Frias
Filho, que apoiou o golpe parlamentar de 2016, que praticamente quebrou a
economia brasileira
247 – Em
editorial publicado neste domingo, a Folha lamenta o impeachment da presidente
Dilma Rousseff, deposta por um golpe parlamentar, mas tenta sustentar a tese de
que houve crime de responsabilidade, quando, na verdade, foi o próprio golpe
que praticamente quebrou a economia brasileira.
Confira abaixo:
Muitos anos em um
Quem detinha o poder não mais o
exerce. Quem em liberdade desfrutava de status e riqueza está preso.
Frustraram-se expectativas econômicas e subverteram-se, nas urnas, desfechos de
votações tidos como certos. O mundo e o Brasil se mostraram mais complexos e
imprevisíveis do que se supunha no desenrolar de 2016.
O impeachment
de Dilma Rousseff (PT) não é fato a festejar. Há algo errado numa
jovem democracia que depõe, pela via legítima da Constituição, dois chefes de
Estado num lapso de 24 anos. Falharam os controles que deveriam evitar o uso
desse recurso brutal e traumático contra o mandato presidencial concedido pelo
voto direto.
A reincidência do impeachment não
foi o único elemento incomum. Extraordinária também se mostrou a latitude do
poder presidencial para atropelar a responsabilidade fiscal e sustentar seu
apoio com centenas de bilhões de reais em contratos e créditos a fluir por fora
do Orçamento, nos balcões de empresas e bancos estatais engordados.
Uma parcela dessa dinheirama fluiu
para políticos de todos os naipes a título de propina. Empreiteiras compravam
regulamentos no Legislativo. Financiavam governistas e oposicionistas na União,
nos Estados e nos municípios com a mesma lógica de quem adquire serviço em
mercado especializado.
Se a fatia majoritária dos fundos
retirados do contribuinte, ou emprestados a juros de agiota dos detentores da
dívida estatal, houvesse sido aplicada diligentemente, ainda haveria um pequeno
alívio.
Quase tudo o que fez, no entanto,
foi alimentar o Leviatã da ineficiência e projetos megalomaníacos que jamais
serão recompensados.
A deficiência de controle em
aspectos importantes do funcionamento do Estado esteve, portanto, entre as
causas da violenta recessão que engolfou o Brasil a partir de meados de 2014,
cujos efeitos acumularam-se nos anos seguintes e ajudaram a demolir a base
popular e política de Dilma.
Mal controlado também estava um
sistema de apoio cuja cooptação dependia de moeda suja.
O avanço da Lava Jato e as maiores
manifestações populares da chamada Nova República fizeram o que os instrumentos
preventivos não conseguiram. Impuseram um custo elevado à manutenção do status quo. Dilma não entendeu o recado, apostou em mais do mesmo, atiçou a
polarização — e caiu.
A mensagem de que a lei impera sobre
todos — reforçada por outras ações que na Justiça derrubaram poderosos — e a
disposição de milhares de pessoas de antepor-se nas ruas aos governantes de
turno estão entre os poucos fatos positivos num ano cheio de notícias ruins.
Soergueram-se o Ministério Público e
o Poder Judiciário, mas a extensão no tempo e a multiplicação de prisões sem
juízo de culpa formado, o hábito de impor condução coercitiva a quem jamais se
recusara a depor e a divulgação por autoridades de informações fora dos cânones
legais são ocorrências preocupantes que se acentuaram em 2016.
A velocidade exemplar de Curitiba na
condução dos processos penais fez ressaltar a morosidade da Procuradoria-Geral
da República nos casos submetidos ao Supremo Tribunal Federal. É péssima a
mensagem que esse duplo padrão transmite: mais estropiado, inclusive na Justiça, está quem perdeu o poder político em Brasília.
Iluminadas e talvez estimuladas
pelos holofotes, as veleidades e as idiossincrasias do STF também têm custado
caro. Ministros comentaram as mais delicadas questões fora dos autos e
intrometeram-se individualmente em assuntos típicos da alçada legislativa ou
executiva.
Acuadas, lideranças do Congresso
reagiram da pior maneira. Não desistiram de revidar a quem as investiga. O
presidente do Senado chegou ao desplante de ignorar
uma ordem judicial.
Na economia, o remédio tardio mas
necessário ministrado ao paciente descuidado será uma camisa
de força nos gastos públicos por ao menos uma década, além de uma
reforma da Previdência duríssima para todos os trabalhadores. A receita amarga
tende a reproduzir-se nos Estados. Não aceitá-la produzirá desmantelo nos
serviços básicos.
Fora do país, o quadro não ajudou. A
ameaça dos nacionalismos tornou-se mais que uma hipótese após a vitória de campanhas
isolacionistas no Reino Unido — que decidiu em junho deixar a União Europeia — e
nos EUA —que elegeram
Donald Trump em novembro.
A melhor doutrina da convivência
humana e o pensamento progressista sofreram revés histórico.
O Brasil não se precaveu e está
sofrendo mais. Resta a esperança de termos aprendido as principais lições, para
que as próximas crises por aqui sejam no mínimo suaves e encontrem uma
democracia bem mais fortalecida a dar-lhes combate.
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