Engenhoso e inteligente Deltan
Dallagnol em suas ideias de marketing da Operação Lava Jato, a julgar pelo que
está vindo a público, como a intenção que lhe ocorreu de propor a construção de
um monumento às ações da força-tarefa. O procurador fez o que agentes públicos
do bem não estão acostumados a fazer, isto é, aplicar os princípios do
marketing privado às ações estatais. E estes não possuem esse hábito, dentre
outros motivos, talvez por uma crença de fundo cultural, segundo a qual
marketing é coisa do mundo privado vinculada a vendas. Como diz os papas no
assunto, “marketing nada mais é do que o desenvolvimento da marca na cabeça do
consumidor”
Ocioso
definir aqui o que seria agente público do bem, considerando que, para bons
entendedores, certas obviedades bastam. Na verdade, o agente político
(inclusive, o administrador público) em geral tem cometido o erro ingênuo de
acreditar que governos não devem fazer marketing porque não representam
empresas privadas, isto é, não agem para vender mercadorias. Uma vez eleito
pelo princípio majoritário, pressupõe que suas ações, sendo públicas, são
aceitas por si só e compreendidas de forma unânime pela sociedade. Esse foi um
dos grandes erros do PT ao acreditar, com presunção e arrogância, poder contar
com a TV Globo para divulgação e explicação dos seus programas de
políticas.
No
entanto, especialistas em marketing sabem como essa área de conhecimento, com
MBAs (Master Business Administration) caríssimos, cursos de graduação e
diferentes tipos de especializações mundo afora, compreende ferramentas
diversas e sofisticadas da concorrência utilizadas pelas empresas na selva
capitalista. Nesta, o Estado pode ser leão, cordeirinho ou um simples verme a
ser esmagado pela sola de sapato de executivos e acionistas de grandes
corporações. Além das armas e do sucesso da aceitação e imposição de novas
tecnologias, o imperialismo e suas guerras são feitos também de marketing.
O
erro e a ingenuidade, portanto, dos agentes políticos e administradores
públicos do bem é achar que não precisam fazer marketing de suas ações. É não
considerar que, embora o Estado não sendo um ente privado, nos moldes de uma
corporação pertencente a pessoas físicas, age no mundo da concorrência, sendo,
simultaneamente, estruturante do sistema capitalista e feixe de conflitos. O
Estado não visa lucro, mas acaba sendo concorrente (ou sócio) de empresas que
tentam miná-lo (ou apoiá-lo) na busca de seus lucros.
Além
de sua concretude materializada em organizações definidas, com logradouro
identificável, o Estado também é uma abstração. Numa e noutra condição, sofre
assédios, concorrências, sabotagens de diferentes forças dentro e fora de sua
jurisdição formal e material, incluindo, obviamente, ações de empresas privadas
nacionais e internacionais, além de máfias internas e governos estrangeiros.
Golpes perpetrados por forças externas só são bem sucedidos com apoio de grupos
e agentes nacionais. O que alguns observadores querem reduzir a “guerra de
narrativas” é concorrência de marketing na luta de classes. Ou seja, não se
trata só de semânticas, mas de sinonímias, deontologias e teleologias.
Mesmo
dentro do âmbito do Estado, o marketing é necessário entre agentes públicos, no
que diz respeito, por exemplo, a programas concorrentes de políticas públicas.
Na teoria política contemporânea, a questão da transparência, por exemplo, tem
sido assunto nevrálgico nesse ponto porque programas de ações dentro de um
mesmo governo concorrem entre si para fins de sua aprovação tanto pelo
Executivo como pelo Legislativo.
Daí
ser comum o marketing reverso do silêncio, isto é, a famosa “caixa preta”,
quando esta não é aberta por interceptadores de diferentes origens e métodos
nos conflitos rotineiros de uma sociedade democrática. Isso, porque, em
determinadas situações, a divulgação de ações durante sua formulação e
implementação pode gerar resistência, sabotagem e concertações de opositores
para a sua não aprovação.
Ocioso
também perguntarmos agora por que Deltan Dallagnol precisava e se esforça ainda
por fazer marketing da Lava Jato. Só criancinhas ou adultos ingênuos do bem
podem ainda continuar acreditando que esse pessoal da Lava Jato estava imbuído
de uma missão civilizadora de passar o rodo na corrupção, em outras palavras,
“passar o Brasil a limpo”.
Além
dos ingênuos, incluo aqui os desinformados bem intencionados que desconhecem as
leis, os mecanismos estatais, as relações entre os poderes e mais ainda: ignoram
que é impossível entender a crise que vivemos hoje sem compreender os nexos
entre democracia, estado e capitalismo. Ignoram que até as virtudes precisam de
limites e que só a sociedade organizada e atuante de forma permanente, e não só
durante as eleições de quatro em quatro anos, pode impedir o desenvolvimento da
marca golpista na cabeça do eleitor.
Fonte: Jornal GGN por Álvaro Miranda – Jornalista, mestre e doutor em Políticas
Públicas, Estratégia e Desenvolvimento pela UFRJ, por onde também tem
especialização em Análise de Políticas Públicas, e com especialização em MBA em
Marketing pela Fundação Getúlio Vargas.
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