MORO, VALEIXO, RAMAGEM E MINISTROS MILITARES: O QUE ELES DISSERAM EM DEPOIMENTO À PF
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Sérgio Moro durante coletiva de imprensa em que anunciou sua
saída do governo. Foto: Gabriela Biló/Estadão 13 de maio de 2020
Em inquérito sobre suposta
interferência de Bolsonaro na PF, testemunhas foram questionadas sobre atuação
do presidente e interesses de familiares
O inquérito que apura as acusações do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro sobre suposta
interferência política de Jair
Bolsonaro na Polícia Federal já ouviu depoimentos dos ministros Walter
Braga Netto, da Casa Civil, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e dos delegados Maurício
Valeixo, Alexandre Ramagem e Ricardo
Saadi.
As testemunhas foram questionadas sobre a recente troca do
diretor-geral da Polícia Federal, os supostos interesses de Bolsonaro em mudar
a superintendência do Rio de Janeiro, além de questões envolvendo o inquérito
das Fake News, o caso Adélio e o assassinato da vereadora Marielle Franco.
A oitiva de testemunhas é uma das
fases do processo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também conta com a
cópia do vídeo de uma reunião ministerial ocorrida em 22 de abril em que, de
acordo com o depoimento de Moro, Bolsonaro teria ameaçado demiti-lo se não trocasse
a superintendência da PF no Rio.
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A
investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto
Aras, logo após a demissão de Moro. Ele apura sete crimes: falsidade
ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa,
prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada e
denunciação caluniosa. Com o inquérito, Aras quer descobrir se Bolsonaro agiu
de forma irregular ou se Moro mentiu.
Abaixo, confira o que cada um deles falou sobre
esses temas em depoimento à PF.
1.
Interferência na PF
Segundo Moro, Bolsonaro pediu a
substituição do superintendente do Rio no começo de março, mesmo sem haver
causa. Ele afirma que depois disso cresceram as insistências em trocar também o
então diretor-geral, Maurício Valeixo. A partir de março, o presidente passou a
reclamar da indicação da superintendência de Pernambuco. De acordo com o
ex-ministro, Bolsonaro não solicitava mudanças em chefias de outras secretarias
ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça. Moro disse que ouviu do
presidente que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse
interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência.
![]() O delegado Mauricio Valeixo Foto: Denis Ferreira Netto/ESTADÃO
Valeixo afirmou que o presidente nunca lhe pediu
relatórios de inteligência ou informações sobre investigações. Disse que ficou
sabendo por Moro que Bolsonaro queria trocar os chefes da PF do Rio e de
Pernambuco. Segundo Valeixo, Bolsonaro teria dito em duas oportunidades que
gostaria de nomear para diretor-geral alguém com quem tivesse mais
“afinidade”.
O chefe da Abin afirmou que Bolsonaro nunca lhe
pediu informação ou relatório de inteligência de fato investigado sob sigilo.
Ramagem conta ter tido ciência, por meio do general Heleno, de que Bolsonaro
estava reclamando do encaminhamento de relatórios, não só da PF, mas também de
outros setores de inteligência.
Saadi negou ter recebido solicitações do Planalto
por informações de investigações, mas disse que até hoje não foi informado
sobre as razões para sua exoneração.
Augusto
Heleno:
Heleno afirmou à Polícia Federal que Bolsonaro
disse a ele, na presença de Moro, que precisava de alguém “mais ativo” no
comando da Polícia Federal. O ministro também disse achar “natural” a escolha
de uma “pessoa próxima” para exercer a chefia da corporação.
2.
Ameaça demissão de Moro
Sérgio
Moro:
Segundo Moro, Bolsonaro teria dito em reunião no
dia 22 de abril que iria interferir em todos os ministérios e que se não
pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o
diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.
Braga Netto afirma que o presidente não falou sobre
a substituição do superintendente da PF do Rio na reunião do dia 22. De acordo
com o ministro, quando Bolsonaro falou sobre “trocar a segurança no Rio” se
referia a mudanças na segurança pessoal do presidente, a cargo do GSI, “não
tendo referência à Polícia Federal”.
Augusto
Heleno:
Heleno afirmou que Bolsonaro cobrou “de forma
generalizada todos os ministros na área de inteligência” na reunião do dia 22.
A reclamação seria por “escassez de informações de inteligência que lhe eram
repassadas para subsidiar suas decisões, fazendo citações específicas à sua
segurança pessoal”, mencionando a Abin, a Polícia Federal e o Ministério da
Defesa.
3. Troca de Valeixo
Sérgio Moro:
Moro relatou que Valeixo declarou a ele que “estava
cansado” da pressão que sofria para a sua substituição e para a troca de
comando da PF no Rio. Quando a notícia da exoneração de Valeixo foi publicada
na noite de 23 de abril, Moro questionou o ministro Ramos sobre o caso, que
alegou não ter informações oficiais. Moro frisou à PF que não assinou o decreto
que exonerou Valeixo.
Maurício
Valeixo:
Valeixo contou que se sentia desgastado no cargo no
final do segundo semestre de 2019 e entendia que o melhor para a Polícia
Federal seria sua substituição. Pelo telefone, Bolsonaro teria comunicado que
sua exoneração do cargo de diretor-geral ocorreria no dia seguinte. Valeixo
afirmou que foi informado pelo próprio presidente sobre a intenção de nomear
Ramagem.
Alexandre
Ramagem:
Ramagem afirmou que eram constantes as
manifestações de Valeixo sobre a intransigência de Moro em promover sua saída
no início do ano. Segundo Ramagem, Valeixo constantemente alegava que seu ciclo
já estava completo. Disse que sempre soube de ótimos contatos entre ambos.
Walter
Braga Netto:
Braga Netto afirmou que Bolsonaro não chegou a
demonstrar insatisfação com Valeixo, e disse não saber por que o presidente
quis nomear Ramagem para cargo de diretor-geral da PF.
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O ministro
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno Foto:
Antonio Cruz/Agência Brasil
Augusto Heleno:
Heleno disse que chegou a conversar tanto com Moro
quanto Bolsonaro sobre a troca de Valeixo por Ramagem. Segundo Heleno,
Bolsonaro acreditava que a PF precisava de um diretor “mais ativo” e que
Ramagem “daria um novo ânimo à Polícia Federal”.
4.
Superintendência do Rio
Sérgio
Moro:
Segundo Moro, Bolsonaro afirmou, na reunião de 22
de abril, que se não pudesse trocar o superintendente da PF do Rio, trocaria o
diretor-geral e o próprio ministro da Justiça. Bolsonaro teria enviado a ele
uma mensagem que tinha “mais ou menos” o seguinte teor: “Moro, você tem 27
superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
Maurício
Valeixo:
Valeixo afirmou que a troca do superintendente do
Rio foi pedida duas vezes. Não havia nenhuma razão que justificasse a
substituição, segundo Valeixo. Ao contrário do que foi falado por Bolsonaro, o
delegado disse que a superintendência do Rio se destacou naquele ano, com
aumento nos índices de produtividade em relação ao ano anterior.
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Alexandre
Ramagem Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal Foto: Dida Sampaio/Estadão
Alexandre Ramagem:
Ele negou que o presidente tenha
pedido a substituição de algum superintendente. Questionado se pretendia trocar
o superintendente do Rio se assumisse respondeu que possui “ótimo e constante
relacionamento de trabalho com o antigo superintendente”.
Ricardo
Saadi:
Saadi disse que foi informado por
Valeixo que permaneceria na chefia da corporação carioca até o fim de 2019.
Questionado se credita sua dispensa a alguma interferência política, afirmou
que “os motivos não lhe foram apresentados”.
Augusto
Heleno:
O chefe do GSI informou à PF que sabia que “o presidente cobrava maior
desempenho da Polícia Federal do Rio no combate à corrupção, inclusive
envolvendo hospitais federais”.
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Ministro da
Casa Civil, general Braga Netto Foto: Dida Sampaio/Estadão
O ministro da Casa Civil afirmou não ter ouvido o
presidente Jair Bolsonaro mencionar em sua presença a possível troca de
superintendente na Polícia Federal do Rio durante a reunião de 22 de
abril.
5.
Interesses pessoais e de familiares
Sérgio
Moro:
Ao ser questionado se as trocas solicitadas por
Bolsonaro estavam relacionadas a investigações contra pessoas próximas ao
presidente ou seu grupo político, Moro disse que desconhece. Sobre as
investigações do atentado sofrido por Bolsonaro, Moro disse que as requisições
foram feitas “não pelo interesse pessoal do presidente, mas também pelas
questões relacionadas à Segurança Nacional”.
Investigadores:
No termo de depoimento do ministro Augusto Heleno,
quem conduz a oitiva afirma que Bolsonaro falou em "proteger seus
familiares e amigos" no vídeo da reunião do dia 22. E que no entendimento
da PGR, o presidente estava falando sobre o superintendente do Rio. Heleno
disse que precisaria assistir ao vídeo para responder.
Maurício
Valeixo:
Valeixo disse que a Presidência não solicitou a ele
nenhuma informação sobre investigações ou inquéritos em andamento no Rio. O
delegado disse que, a pedido de Moro, participou da apresentação dos resultados
da investigação sobre o atentado a faca sofrido por Bolsonaro em setembro de
2018. Apesar de Bolsonaro e seus filhos reclamarem da condução do caso pela PF,
Valeixo disse que nessa reunião o presidente não mostrou “contrariedade” com a
conclusão do inquérito. Também relatou que o presidente pediu para investigar o
depoimento de um porteiro do Condomínio Vivendas da Barra que disse que
Bolsonaro teria liberado a entrada de um dos assassinos de Marielle Franco.
Depois, o porteiro se retratou.
Alexandre
Ramagem:
Ramagem negou que tenha amizade com os filhos de
Bolsonaro, disse que tem ciência de que goza da “consideração, respeito e
apreço da família do presidente” pelos trabalhos realizados e pela confiança do
presidente em seu trabalho, mas “não possui intimidade pessoal com seus entes
familiares”. Segundo ele, o presidente nunca chegou a conversar com ele, sob a
forma de intromissão, sobre investigações específicas da Polícia Federal que
pudessem, de alguma forma, atingir pessoas a ele ligadas.
Sobre a foto em que aparece ao lado de Carlos
Bolsonaro no réveillon, Ramagem afirmou que tratava-se de uma
"confraternização" em que estavam presentes policiais e seus
familiares. O filho do presidente teria passado no local para saudar os
policiais pelo trabalho de segurança prestado a Bolsonaro durante a campanha
presidencial.
Ramagem reforçou que não possui amizades com os
filhos do presidente e que frequentou a residência oficial de Bolsonaro apenas
para "fins profissionais".
Ricardo
Saadi:
Saadi afirmou que não recebeu pedido de
interferência em eventuais investigações relacionadas ao presidente Jair
Bolsonaro, familiares seus ou pessoas ligadas a ele.
Walter
Braga Netto:
Braga Netto afirmou que Bolsonaro “se queixava” de
não terem sido esclarecidos por completo os fatos relacionados ao porteiro do
condomínio Vivendas da Barra, “nem muito por ele, mas por se tratar de fatos
relacionados ao cargo de presidente da República”, disse.
Augusto
Heleno:
O ministro confirmou que Bolsonaro teria se
queixado sobre o envolvimento de seu nome no depoimento do porteiro do condomínio
Vivendas da Barra. O presidente teria reclamado da “demora da investigação”
sobre o caso.
6.
Inquérito Fake News
Alexandre
Ramagem:
Ramagem afirmou não ter conversado com Bolsonaro
sobre qualquer aspecto do inquérito das Fake News e disse não ter qualquer
informação sobre a investigação.
Maurício Valeixo:
Valeixo disse que não teve conhecimento de nenhuma
informação sobre o inquérito das Fakes News. Valeixo disse que “sequer tinha
conhecimento sobre os fatos que eram investigados no inquérito”.
Fonte: Bianca Gomes, O Estado de
S. Paulo
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