'MORO, VALEIXO SAI ESTA SEMANA. ESTÁ DECIDIDO', ESCREVEU BOLSONARO AO ENTÃO MINISTRO; VEJA
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O presidente Jair Bolsonaro, em frente ao Palacio da Alvorada
Foto: Gabriela Biló/Estadão 23 de maio de 2020
'Estadão' teve acesso a novas mensagens, trocadas pouco antes da reunião
ministerial de 22 de abril, que contradizem versão do presidente sobre saída do
diretor-geral da PF
BRASÍLIA
- Uma série de mensagens trocadas entre Jair Bolsonaro e o
então ministro da Justiça, Sérgio Moro,
evidencia que o presidente falava da Polícia Federal, e não da sua segurança
pessoal, quando exigiu substituições
nessa área na reunião ministerial do dia 22 de abril. A cronologia de oito diálogos aos quais o Estadão teve
acesso mostra que, três horas antes da reunião, Bolsonaro havia comunicado a
Moro que o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, seria demitido, sem dar
ao seu ministro qualquer alternativa.
As oito
mensagens inéditas trocadas por WhatsApp obtidas pelo Estadão constam
do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura se Bolsonaro interferiu na Polícia
Federal para ter acesso a informações de investigações sigilosas contra seus
filhos e amigos, como acusou Moro. A reunião ministerial é uma das provas
anexadas ao inquérito, que tem como relator o ministro do STF Celso de Mello.
Foi o magistrado quem autorizou a divulgação do vídeo com o conteúdo da
reunião, na última sexta-feira.
Foto: Reprodução
Bolsonaro disse que o encontro do dia 22 de abril não comprova que
ele atuou para blindar seus parentes. Repetiu, ainda, que falou em trocar a sua
“segurança” no Rio, e não o comando da Polícia Federal. As novas mensagens
reveladas, contudo, mostram que ele chegou à reunião com a decisão já tomada de
demitir o diretor-geral da PF.
Resposta de Moro a Bolsonaro
Foto: Reprodução
“Moro, Valeixo sai esta semana”,
escreveu o presidente às 6h26 do dia 22 de abril. “Está decidido”, continuou
ele, em outra mensagem enviada na sequência. “Você pode dizer apenas a forma. A
pedido ou ex oficio” (sic).
A resposta de Moro foi enviada 11
minutos depois, às 6h37. “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar
pessoalmente. Estou ah (sic) disposição para tanto”, respondeu o então
ministro.
Em outra
sequência de mensagens, enviadas também antes da reunião
ministerial, Bolsonaro encaminha dois vídeos e reclama com Moro de ser
informado por “terceiros”. “Força Nacional, Ibama, Funai... As coisas chegam
para mim por terceiros... Eu não vou me omitir”, disse o presidente às 8h01m.
'Sistema de informações particular funciona'
Na reunião ministerial, que começou às
10 horas, Bolsonaro demonstrou irritação. “Já tentei trocar gente da segurança
nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não
vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu (sic),
porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a
estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode
trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra
brincadeira”, disse o presidente, olhando para Moro.
As mensagens que agora vêm à tona,
trocadas entre o presidente e o então ministro, contrariam a versão de
Bolsonaro de que Valeixo pediu para ser demitido. Além disso, ajudam a explicar
o comportamento de Moro na reunião ministerial. O ex-juiz da Lava Jato ficou em
silêncio quando foi constrangido por Bolsonaro, que cobrou mudanças nas áreas
de inteligência. Àquela altura, ele já havia sido comunicado da decisão
unilateral de demitir Valeixo, sem que pudesse opinar a respeito.
Bolsonaro tem sustentado em entrevistas que foi Valeixo quem pediu para
ser demitido. Segundo ele, isso comprova que não houve interferência da sua
parte. “O senhor Valeixo de há muito vinha falando que queria sair. Na véspera
da coletiva do senhor Sérgio Moro, dia 24 (de abril), o senhor
Valeixo fez uma videoconferência com os 27 superintendentes do Brasil, onde
disse que iria sair. Eu liguei pro senhor Valeixo, o qual respeito, na
quinta-feira, à noite. Primeiro ele ligou pra mim. Depois eu retornei a ligação
pra ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai amanhã? Ex-officio ou a pedido?’. A
pedido (foi a resposta de Valeixo, segundo Bolsonaro). E assim foi
publicado no DOU. Lamento ter constado o nome do ministro da
Justiça ali. É porque é praxe”, disse Bolsonaro, na noite de sexta-feira, após
a divulgação do vídeo.
Em depoimento no inquérito,
no dia 11 de maio, Valeixo contou que jamais formalizou um pedido de demissão.
De acordo com ele, um dia antes da publicação no Diário Oficial da União,
recebeu um telefonema do próprio presidente questionando se ele concordava que
sua exoneração saísse a pedido. Sem alternativa, assentiu. Valeixo relatou,
ainda, que Bolsonaro justificou que queria alguém no cargo com quem tivesse
“afinidade”.
Indicação de Ramagem barrada
Próximo da família Bolsonaro, o delegado Alexandre Ramagem,
atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi nomeado para o
comando da PF, mas não pôde tomar posse por uma decisão do
ministro do STF Alexandre de Moraes. Com isso, a direção-geral da corporação
foi entregue ao delegado Rolando Alexandre de Souza, considerado braço direito
de Ramagem.
A troca de mensagens foi retirada do
celular do ex-ministro Sérgio Moro durante seu depoimento à Polícia Federal. Na
ocasião, peritos da PF fizeram uma varredura completa no celular do ex-juiz
para extrair mensagens que poderiam comprovar a acusação contra o presidente.
Na sexta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à Procuradoria-Geral da
República um pedido de partidos de oposição para que o celular de Bolsonaro
fosse apreendido em busca de mais provas da suposta interferência dele na
PF.
A reação do Planalto veio do ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que, em nota, disse que uma
decisão favorável a esse pedido poderia ter “consequências imprevisíveis para a
estabilidade nacional”.
Três horas depois dos diálogos obtidos pelo Estadão nos
quais Bolsonaro dá a ordem para mudar a Polícia Federal ocorreria a reunião
ministerial tornada pública na sexta-feira, na qual Bolsonaro afirma claramente
que desejava troca na “segurança” do Rio. Chegou a dizer que era alvo de
“putaria o tempo todo” para atingir não só ele como sua família.
Bolsonaro disse ali que não podia ser
“surpreendido com notícias”. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”,
reclamou. O presidente assegurou, ainda, que ia interferir em todos os
ministérios. “E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou
interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … uma extrapolação da
minha parte. É uma verdade”, afirmou Bolsonaro, olhando para o lado onde estava
Moro.
A versão de que o presidente se referia
à sua segurança pessoal no Rio, e não à PF, é colocada em xeque por mudanças
ocorridas no escritório do GSI no Rio, dois meses antes da reunião ministerial.
A contradição foi revelada pelo Jornal Nacional, da TV Globo. A reportagem
mostrou também que, 28 dias antes daquela reunião, o responsável pela segurança
do presidente havia sido promovido.
Bolsonaro exibiu mensagens de celular
Em 5 de maio,
Bolsonaro exibiu o seu celular com mensagens trocadas por ele e Moro na
tarde do dia 22 de abril para dizer que o ex-ministro havia mudado de versão
sobre a tentativa de interferência na PF. “Isso é uma mentira deslavada”,
disse. No entanto, a conversa ocorrida na manhã do dia 22, em que
Bolsonaro avisa a Moro que demitirá Valeixo, não foram mostradas pelo
presidente.
O Estadão procurou a
Secretaria Especial de Comunicação (Secom) para falar sobre as mensagens, mas o
Planalto informou que não iria comentar. A defesa de Moro disse que “as
declarações do presidente da República demonstram, de maneira inquestionável,
sua vontade de interferir indevidamente” na Polícia Federal. “Esses elementos
probatórios somam-se às demais diligências investigatórias, inclusive ao vídeo da
reunião de 22 de abril, comprovando as afirmações do ex-ministro Sérgio Moro”,
afirmou o advogado Rodrigo Rios.
Fonte: Jussara Soares, O Estado de S.Paulo
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