FILHO DE MINISTRO INDICADO A VAGA DE R$ 37 MIL NO CNJ SÓ OBTEVE CARTEIRA DA OAB EM 2019
Napoleão Nunes Maia é ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) Foto: Dida Sampaio/Estadão
30 de outubro de 2020
Mário Nunes Maia, filho de Napoleão
Nunes Maia, do STJ, teve o nome aprovado pela Câmara para o Conselho Nacional
de Justiça; ao 'Estadão', o advogado de 44 anos se recusou a detalhar
experiência acadêmica e profissional
BRASÍLIA - Indicado para uma vaga de
conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de
cúpula da administração do Judiciário, o advogado Mário
Nunes Maia, de 44 anos, filho do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão
Nunes Maia, se nega a detalhar a pouca experiência que possui
no mundo do Direito. Segundo um documento obtido no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Mário Nunes Maia foi aprovado no exame da ordem somente no ano passado. A
obtenção da carteira da OAB é requisito indispensável para a atuação em
processos como advogado.
Por meio de uma articulação iniciada em
julho, com apoio direto de seu próprio pai, Mário Nunes Maia teve seu nome
aprovado pela Câmara dos Deputados na terça-feira, 27. O
indicado ainda precisa ser aprovado no Senado. Se confirmado, assumirá o posto
de conselheiro do CNJ por dois anos, com remuneração mensal de R$
37,3 mil, quase o teto do Judiciário.
Questionado por telefone pelo Estadão sobre
algumas informações de seu currículo de uma única página entregue à Câmara, o
advogado encerrou a chamada abruptamente e não atendeu às novas ligações.
A reportagem, então, enviou perguntas por escrito, por meio de um aplicativo de
mensagens, mas o advogado não respondeu.
A despeito dos elogios dos líderes partidários que
referendaram sua indicação, o currículo de Mário Nunes Maia, nas poucas linhas
que possui, traz informações incompletas, que não permitem concluir se ele tem
o notável saber jurídico exigido pela Constituição para a vaga de conselheiro
do CNJ. O conselho é responsável por fiscalizar a conduta de
juízes no País e formular resoluções para pautar a atuação dos
magistrados. A reportagem pediu a confirmação a Mário Nunes Maia sobre a
data de obtenção da OAB, mas não houve resposta.
No campo “atividades”, o advogado
listou duas informações: “secretário da câmara cível do Tribunal de Justiça do
Ceará” e “escritório de advocacia em Fortaleza e Brasília”. Ele não informa,
porém, o período de cada uma dessas atividades, o nome dos escritórios, nem as
funções desempenhadas. Em pesquisa feita pela reportagem na base de
processos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do
Tribunal Regional Federal da 1ª e da 5ª Região, além do Tribunal de Justiça do
Ceará, foram encontrados apenas três processos em que Mário Nunes Maia consta
como advogado.
Mário informou à Câmara que está
cursando mestrado na Universidade de Lisboa e, ao mesmo tempo, três
pós-graduações na PUC Minas. A instituição mineira confirmou a informação. A
portuguesa não respondeu.
O filho do ministro menciona cinco
livros em seu currículo que têm sua participação. Destes, três foram escritos
em coautoria com o pai, Napoleão, conforme constatou a reportagem. Quanto aos
outros dois livros, "As origens das leis escritas e do método de sua
aplicação literal" e "Direito Fundamental de Acesso à Justiça",
não foram encontrados registros na internet.
Idiomas
Seu currículo, atualizado pela última
vez em 2016, informa que ele era advogado desde 2010 e, no campo “Idiomas”,
lista apenas o português, com a descrição de que “Compreende Bem, Fala Bem, Lê
Bem, Escreve Bem”.
O currículo entregue à Câmara nem
sequer informa a instituição de ensino e o ano em que concluiu o curso de
Direito. Há um registro, no entanto, na plataforma Lattes, de um currículo
acadêmico em seu nome, que aponta a graduação na Faculdade Faria Brito, em
Fortaleza, concluída em 2012, quando Mário Nunes Maia tinha 36 anos. Entre a
graduação e uma cadeira no CNJ, portanto, são apenas oito anos de experiência.
A reportagem pediu a Mário Nunes Maia
esclarecimento sobre algumas das informações do currículo. "Só vou me
manifestar após a sabatina do Senado”, disse ele. A reportagem insistiu.
"Vou aguardar, porque ainda tem a sabatina do Senado e prefiro não me
pronunciar", manteve a posição, desligando o telefone logo em seguida.
Em um comunicado do Ministério Público
do Estado de Goiás, em 2012, é informado que Mário Nunes Maia teve inscrição
indeferida em um concurso para ingresso na carreira do MP estadual. Em
outro concurso público, desta vez para a Defensoria Pública do Estado do
Paraná, também em 2012, o nome de Mário aparece como inscrito na primeira fase.
Depois, não aparece entre os classificados para a segunda.
Deputado diz que recebeu pedido do ministro
Napoleão: “Você pode conversar com ele?”
Um deputado federal de um partido com
bancada relevante na Câmara disse à reportagem que o ministro Napoleão Nunes
Maia lhe fez um pedido, para que conversasse com o filho sobre a indicação ao
CNJ. “Meu filho é candidato ao CNJ e estava querendo falar com você. Você pode
conversar com ele?”, contou o deputado, ao relatar o que teria ouvido do
ministro Napoleão Nunes Maia, a quem conhece há bastante tempo. Essa conversa
ocorreu em julho, segundo o parlamentar, que falou sob condição de anonimato.
Napoleão Nunes Maia é conhecido no
Superior Tribunal de Justiça pela posição firme, sempre em defesa dos
políticos. É comum que, em julgamentos no tribunal, ele se posicione a favor
dos advogados de defesa em ações de improbidade, por não identificar dolo
(intenção) na atuação de agentes públicos.
Às vezes, é o único voto vencido, como ocorreu no
julgamento em que a Corte Especial do STJ – integrada pelos 15 ministros mais
antigos no tribunal – decidiu manter o afastamento do governador do Rio de
Janeiro, Wilson Witzel,
em setembro.
A reportagem questionou Napoleão, por
meio da assessoria de imprensa do STJ, se conversou com parlamentares para
ajudar na indicação do filho. O STJ afirmou que o ministro não foi localizado.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC)
disse que alguns parlamentares de sua bancada tinham sugerido a indicação de
Mário Nunes Maia, devido à boa relação com o próprio advogado e com a família
dele. Questionada se essa boa relação incluía o pai dele, a deputada disse que
havia uma “relação dele (Mário Nunes Maia) e da família dele com
parlamentares nossos”, mas negou que tenha havido influência de Napoleão Nunes
Maia na escolha.
Outros deputados ouvidos pela reportagem disseram
que foram procurados diretamente pelo advogado. Um deles, Gutemberg
Reis, do MDB-RJ, disse que um conhecido em comum lhe apresentou Mário Nunes
Maia no Salão Verde da Câmara dos Deputados, alguns meses atrás, e optou pelo
nome quando viu os demais candidatos à vaga, pois era o único que conhecia.
O deputado Denis Bezerra (PSB-CE)
chegou a estudar com Mário Nunes Maia em uma disciplina do curso de Direito no
Ceará e disse que optou pelo advogado porque já tinha com ele uma relação
pessoal. Denis elogiou o currículo de Maia, dizendo que ele tinha
especializações, mas a reportagem apontou que essa informação não consta no
currículo. O deputado então disse: “Se a gente for analisar essas questões
curriculares dos três que estavam concorrendo (à vaga no CNJ), eu
acredito que tenham pessoas ainda muito mais qualificadas (do que eles)
que poderiam ser avaliadas, mas eram os que estavam inscritos e a gente acabou
fazendo opção enquanto bancada, apenas no dia”, disse.
Entre os outros dois candidatos à vaga
no conselho que participaram da votação, a advogada Janaína Lima Penalva,
indicada pelo PSOL, é doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB),
onde também é professora, e já trabalhou como diretora do próprio CNJ. O
advogado Cesar Augusto Wolff, indicado pelo Novo, é professor universitário e
mestre em Ciências Jurídicas. Mario Maia teve 364 votos. Cesar Wolff, 40.
Janaína Penalva, 35.
Reação
Após a publicação desta reportagem, o
deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) disse ser “lamentável que
essa decisão tenha sido feita assim de última hora” pela Câmara. “Todas as
decisões da Câmara que são feitas dessa maneira são, normalmente, em virtude de
acordos feitos de bastidor, que a maior parte dos deputados não conhece. E tudo
indica que tenha sido a mesma coisa nesse caso. É triste que a gente veja, no
Brasil, órgãos importantes como o CNJ, que foi criados justamente para ser um
conselho e supervisionar o trabalho nas nossas cortes, sendo aparelhados por
familiares de outros membros de tribunais, por exemplo, sem que tenham a devida
qualificação.”
Na avaliação do parlamentar, o fato de
ser um familiar não deveria ser um problema, “se a pessoa tivesse um currículo,
uma trajetória que justificasse, e que não dependesse de lobby justamente de
familiares para que fosse indicado, o que, inclusive, qualifica-se como
nepotismo”. Hattem diz esperar que o Senado reverta a decisão da Câmara.
Fonte: O Estado de S. Paulo por Brendo Pires
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